por motonline de 02.03.2013
Parece que a humanidade tem uma necessidade vital
de criar novos nomes para velhas funções. No universo da motocicleta essa
tendência já é observada na classificação dos tipos de motos, passando pela
especificidade de cada função. Por exemplo, as motos “nakeds” (nuas, em
inglês), que são simplesmente as motos como sempre conhecemos desde a invenção
da roda, sem qualquer artifício aerodinâmico. Portanto, não precisava receber
nenhuma classificação, porque já a chamávamos simplesmente de… moto!
Agora, começou a surgir também a identificação do
tipo de motociclista. Os proprietários de motos esportivas começaram a se identificar
como “bikers”, como se isso os fizessem diferentes de outros motociclistas. Já
as motos esportivas passaram a ser chamadas de “bikes”, que no idioma original
significa simplesmente bicicleta! Mas a classificação que mais gera
controvérsia, desnecessária, claro, é a de motociclista e motoqueiro.
Vou voltar no tempo. Lá nos anos 60, quando as
motocicletas começaram a ser vistas como objeto de prazer e não apenas de
locomoção nem de facilitação de transporte urbano. Naquela época, no Brasil, as
motos eram praticamente brinquedos de luxo, ligadas a uma vida de playboy.
No começo dos anos 70, mais precisamente em 1973, a Rede Globo exibiu
uma novela chamada “Cavalo de Aço” que tinha uma Honda CB750F como uma das personagens mais
marcantes (pelo menos para mim!), pilotada por Tarcísio Meira. Ela popularizou
a moto que chegaria em grande escala até 1976 e o duro golpe da proibição de
importação.
Nessa época, as motos eram chamadas de
motocicletas só pelo meu avô e seus colegas. A juventude chamava simplesmente
de moto ou pelo carinhoso apelido de motoca.
Que tinha o componente charmoso de lembrar outra coisa bem cobiçada, as cocotas
(que veio do francês cocotte). As minas, as gatas, eram chamadas de cocotas e a
associação com motoca foi imediata.
Daí que os jovens que saíam com suas motocas à
caça das cocotas eram chamados de motoqueiros. Podia ser motoquista, assim como
quem trabalha com estoque é estoquista e não estoqueiro. A etimologia da
palavra motoqueiro remete exclusivamente à motoca. Para quem gostava de se
referir ao veículo como motocicleta, podia continuar se definindo como
motociclista e pronto.
O termo motoqueiro tinha nada de pejorativo, até
meados dos anos 80, quando uma revista especializada começou uma desnecessária
campanha para separar os recém motociclistas profissionais, que hoje chamamos
de motoboys, dos outros que usavam a moto como meio de transporte e lazer.
E assim surgiu a diferenciação entre motoqueiros
e motociclistas. Segundo essa campanha, os motoqueiros seriam
aqueles que demonstrassem um mau comportamento no trânsito, usavam a moto como
meio de renda ou donos de motos pequenas, criando uma espécie de “classe baixa”
dos donos de motos. Já os motociclistas seriam aqueles que
exibiam um bom comportamento, usavam motos grandes, como meio de lazer ou
transporte de luxo, pertencente a uma “classe alta”.
O resultado é isso que temos hoje: uma inútil e
fabricada sociedade de classes entre os usuários de motos, muito mais ligada ao
puro preconceito do que à língua portuguesa em si. No nosso idioma, os
sufixos “ista” e “eiro” se referem àqueles que trabalham ou vivem de alguma
atividade. O jornalista trabalha na produção da matéria prima para o jornal,
que é a informação. E o jornaleiro é quem vende o jornal. Nenhum é mais ou
menos importante que o outro.
Em
São Paulo, o estabelecimento que lava motos anuncia “Lavagem
de Motos”. No sul do Brasil, lavagem é a palavra usada para comida de porcos,
por isso eles anunciam como “Lavação de Motos”. E a máquina que está na sua
área de serviço é uma máquina de lavar e não de lavagem nem de lavação.
Portanto tem muito mais de etimológico do que de sociológico nos termos
motoqueiro e motociclista.
Pena que o ser humano tem essa necessidade quase
vital de criar rótulos e separar os indivíduos em castas. Os
proprietários de barco à vela são “contra” os donos de barco a motor e
vice-versa. Quem voa de asa delta se acha mais especial do que quem voa de
parapente. Todos dividem o mesmo meio, aquático ou aéreo, mas precisam se
dividir para ter assunto nos clubes e associações.
Voltando aos motoqueiros e motociclistas, não
existe esse conceito de que o motoqueiro é bandido e o motociclista é o
mocinho. Tudo papo furado, criado por uma imprensa preconceituosa e
desinformada. O que existe são bons e maus motociclistas ou bons e maus
motoqueiros. Estou cansado de ver donos de caríssimas BMW ou Harley-Davidson
furando farol vermelho, rodando na calçada, fazendo conversão proibida,
quebrando espelhos retrovisores dos carros, mas que na rodinha de amigos se
proclama motociclista e tem ojeriza de motoqueiros. Da mesma forma vejo todos
os dias motociclistas profissionais (hoje chamados de motofretistas) dando
exemplos de bom comportamento e cortesia no trânsito, mas que são
chamados de motoqueiros.
A questão é: por que estimular a criação de
estereótipos preconceituosos se todos usam e são apaixonados pelo mesmo
veículo?
Eu gosto muito de me referir à minha moto como
motoca, logo eu sempre fui, sou e serei um MOTOQUEIRO e com
muito orgulho!
Fonte: Texto do jornalista Geraldo Tite
Simões.
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